Whangarei e sua reserva de kauris

01/11/2020

O museu do relógio com um emblemático relógio de sol na praça; um calçadão sinuoso entre bares e restaurantes; uma marina cheia de barcos; e uma necessidade irrefreável de sorrir. Essa era minha memória de Whangarei, na costa oeste a norte de Auckland, onde havíamos pernoitado na única noite que passamos na Nova Zelândia, em 1999.

Naquele dia, havíamos encontrado um quarto, numa casa hospedeira. Ele tinha janelas nas cinco paredes, o que inclui uma no teto em forma de pirâmide. A de cima da cabeceira da cama dava para um jardim, tão bem cuidado que levei alguns minutos para perceber que não era uma pintura. Acordar naquele quarto foi uma experiência típica dos dias que não estão no calendário, nem tem suas horas pautadas pelo relógio convencional. O espaço que essa lembrança ocupa em minha memória deveria ser medido em percentual de pulsações cardíacas, ou em contribuição para prolongar minha vida.

Em 2019, cheguei em Whangarei sem que soubesse o nome da cidade que procurava. Fui dirigindo para norte, buscando a imagem tão cuidadosamente guardada. E lá estava a praça com seu simpático relógio, sem tirar nem pôr qualquer detalhe. Andei sem rumo, abobalhada.

Depois de percorrer toda a pequena área da marina, resolvi ir ao centro de informações turísticas, em busca daquele quarto. Devem ter levantado suspeitas do meu estado de sanidade mental. Procurar um lugar só com a descrição que dei acima é coisa de gente que não bate muito bem, não é? Uma atendente chamava outra, que chamava outra e... com toda a delicadeza e boa vontade não chegamos a parte alguma. Não me frustrei, da mesma forma que não poderia ter deixado de tentar.

Antes de partir, fiz uma visita a um parque especial.

No início, era semelhante às tantas outras trilhas kiwis, todas trazendo prazer no percurso. Como estava acostumada a recompensas no final, foi estranho ver a bela cachoeira logo no início. Mas...

Num determinado ponto, a trilha se elevou acima do piso e assim permaneceu até quase o final. Era a reserva de kauris. Sim, existe sempre uma surpresa no final...

Kauris são árvores que se tornam milenares, enormes, altíssimas. Mas sua sobrevivência depende de suas raizes não serem tocadas. Um kauri pode viver dois mil anos, se ninguém a tocar na parte baixa. Então, a trilha é suspensa de forma a permitir a observação sem que seja possível pisar no solo que as abriga. 

Como em tantas outras ocasiões como essa, parei. Passei um tempo enorme numa atitude de reverência à cultura desse povo que tem Respeito pela natureza. Me deixei envolver pelo silêncio e pelos pensamentos, na ânsia de aprender de verdade.  Pensei mais uma - a milésima vez talvez - no que significa esse cuidado, com cada planta, com cada curso de rio, com cada componente de um todo que encanta os olhos - mesmo os desavisados - dos que chegam. 

Enquanto estive na Nova Zelândia e depois que retornei ao Brasil, hesitei muito em publicar fotos. Vejo cada uma delas dentro de um contexto extremamente mais bonito do que a imagem pode transmitir. É por isso que meus textos almejam emoldurá-las. Queria que pudessem ser vistas "de joelhos", como eu me senti naqueles 90 dias, me sinto hoje e creio que sempre me sentirei.  


Autor do artigo

Tania Paris