O primeiro testamento

07/02/2021

Existe um sem número de providências para se preparar para a própria morte, sendo a maioria de cunho emocional, com todos os seus desdobramentos; mas há também várias providências de cunho material.

Um dia, Beto e eu fizemos um exercício de listar o que gostaríamos de deixar para pessoas que provavelmente não seriam lembradas por nossos herdeiros, criando uma espécie de testamento afetivo. A lista não foi longa nem seus itens tinham valores monetários muito significativos. Foi nosso primeiro esboço, mas se mostrou altamente educativo. Foi um exercício de olhar para pessoas pensando que partiríamos, e perceber, de forma diferente, nossos sentimentos por elas. 

Depois de pronta a lista, constatamos que algumas das pessoas eram mais velhas do que nós. Se queríamos realmente dar-lhes algo - não apenas termos nós a ter a sensação de que somos gratos e lembramos delas "um dia" - então era hora de abrir esse testamento para execução. E foi o que decidimos fazer. 

Não podíamos chegar para as pessoas e dizer "olha, eu vou morrer, estarei deixando algo para você e quero dar-lhe já". Talvez até pudéssemos... mas não parecia a melhor ideia. "Sabe, elaboramos um lista..." - horrível, já que a pessoa era ela e não apenas uma na lista. Não tínhamos um discurso elaborado e não queríamos ninguém assustado nem, muito menos, procurando descobrir "a verdade". 

Partimos, então, na busca de alguma ocasião para cada uma, de forma a ter desculpas para a ação - esfarrapadas mas que foram efetivas. Não tínhamos muitas expectativas, não queríamos tornar esse pequeno projeto algo maior do que realmente era; apenas queríamos fazer logo o que não precisava ficar para depois.

Sabe quando você arruma o armário e olha orgulhoso para ele? Limpo, organizado, com "um lugar para cada coisa e cada coisa em seu lugar"? Eu, particularmente, não gosto de arrumar guarda-roupas e armários, mas, mesmo assim, quando o faço tenho essa sensação agradável. 

Foi bem isso o que senti. Mais rapidamente do que havíamos planejado, limpei algo dentro de mim, reorganizei valores, coloquei prioridades em suas posições prioritárias. Cada item concluído impulsionava a realização do seguinte e logo adquiri senso de urgência, advindo da alegria que só foi aumentando a cada ação.

Fiquei mais leve; me fortaleci. Adorei! Eu vou morrer e quero - preciso - aproveitar viver com mais sensações como essas.


Autor do artigo
Tania Paris