o primeiro raio de luz de cada dia
O meridiano oposto a Greenwich chama-se Linha Internacional de Data (LID) e passa muito próximo à costa leste neozelandeza. Gisborne, cidade da ilha norte mais ao leste nessa costa, ficou mais conhecida em 1999 quando as pessoas queriam saber onde nasceria o sol do novo milênio.
Nessa época eu tinha acabado de voltar da viagem em que me prometi retornar à Nova Zelândia e, então, aproveitei para colocar Gisborne nas minhas intenções de visita.
Seguindo por aquela estrada que margeia a costa, à tardinha passei por Wainui, que enchia os olhos com a vista da praia. Mesmo já sendo tarde, não resisti a uma parada que me deu a chance de me perder na observação de pássaros, como o da última foto, que me teve totalmente abstraída por longo período.
Cheguei a Gisborne a tempo de instalar-me numa cabana num holiday park à beira da praia. Um luxo só!
Imaginava que seria só levantar, dar meia dúzia de passos e já poderia assistir ao espetáculo da alvorada do planeta. Mas o alaranjado do crepúsculo logo me avisou que eu estava de frente para o lado errado... e nem poderia me decepcionar...
Soube, então, que precisaria deslocar-me por aproximadamente meia hora de carro para chegar à praia voltada para o leste. Legal! Lá estaria eu, bastante ensonada, na manhã seguinte, às 5h50 para assistir às 5h54 o sunrise.
Mas por que é que quando a gente se empolga, perde a capacidade de planejar com cuidado? Sim, precisamente às 5h54 o primeiro sol daquele dia nasceu. Mas, "nascer" significa romper a linha do horizonte. Lógico, não é? Só não pensei que quando isso acontece já está tudo claro.
O que eu queria ver não era o nascer do sol, mas os primeiros raios de luz dando lugar ao espetáculo de cores que rega a paisagem para saudá-lo.
Bem... eu já estava ficando craque em dar mancadas!
Olhei para a paisagem que havia ficado tão sem graça e voltei a atenção para mim mesma. Definitivamente eu não poderia ousar chatear-me com aquilo.
A viagem para a Nova Zelândia, que inicialmente tinha como objetivo me levar a mergulhar nas cores mágicas dos movimentos do sol, e aprender sobre Respeito, já tinha há muito ampliado minhas possibilidades. O mergulho passou a ser em mim mesma, na percepção de como os acontecimentos se refletiam em mim; e, respeitosamente, corrigir o rumo. Não o rumo na estrada...rsrs; mas o rumo das minhas reações.
Se eu me permitisse estar decepcionada por ter perdido o que queria ver - diabos! - essa seria a Tania que eu não queria mais ser. Seria a Tania que atestaria não ter aprendido nada com os incríveis dias nublados de todo um mes na ilha sul.
O breve questionamento interno para perceber a mancada como uma mera mancada, o que realmente era, veio com um sorriso de orgulho. Eu me sentia aberta para errar, para retornar no dia seguinte, e também para ficar sem ver a primeira alvorada do planeta mesmo estando tão próxima ao seu local; mas não abriria mão da jornada em direção ao melhor que eu poderia ser para mim mesma.
Voltei ao camping mais contente do que se tivesse visto. Mas... já que estava ali... contratei mais um dia de estadia naquela minúscula habitação à qual me afeiçoei. Sabia que teria que correr na volta para Whakatāne, mas queria ficar mais tempo no lugar que me jogou de encontro comigo.
Aí tive tempo de sobra para dormir e conhecer a cidade onde o capitão James Cook protagonizou o primeiro contato entre europeus e maōris. Sangrento, aliás, tão sangrento que impulsionou as tribos rivais a se unirem para lidar com o inimigo comum, como relatei no meu texto sobre a madrugada em Auckland.
Na madrugada seguinte levantei-me muito mais cedo e voltei a percorrer a estrada que dava na praia do nascer do sol. Insisto em dizer sobre o pequeno trajeto porque dirigir às 4 h da madrugada não é nada agradável para mim. Mas como compensou!
Uma névoa envolvia a totalidade da linha do horizonte, como se uma nuvem em forma de coroa houvesse descido do céu. A paisagem tinha uma aparência mística.
Aos poucos, bem lentamente, a escuridão deu lugar à penumbra, me envolvendo como parte que fui daquela cena. E a penumbra foi clareando nas mesmas cores a que estava acostumada ao observar crepúsculos - numa sequencia ao contrário, claro.
Tirei poucas fotos. Filmei a névoa.
Respirei e não respirei. Comunguei com a natureza e comigo. Guardei a lembrança dos meus sentimentos no fundo do coração. E após uma reverência, voltei, peguei minha mochilinha e segui viagem.
Autor do artigo
Tania Paris