morando em Nelson
Busquei hospedagem para algo como "morar por uma semana em Nelson". Mas rosas frescas sobre a mesa me aguardando foi bem além das minhas melhores expectativas.
Pesquisei bastante antes de escolher Nelson, uma cidade com quase 50 mil habitantes, a uma hora de Picton, que é o ponto de atracagem da balsa vinda da ilha norte. Nelson seria considerada uma cidade pequena no Brasil, mas é a 9a. da Nova Zelândia. Seu centro tem charme, muitos cafés e um quarteirão inteiro só de bares, um mais interessante do que o outro; aconchegantes, onde se é recebido com um sorriso e - glória! - com muitas opções de sidra. Sou alérgica a vinho e encontrei na sidra a bebida perfeita para substituí-lo. E Nelson produz quantidade respeitável de diversas marcas.
Alex e Gary poderiam ser descritos como os parentes que qualquer um gostaria de ter. Deixaram claro que não iriam me importunar, mas que estariam à disposição se eu precisasse de algo. Meu apartamento era separado da casa, anexo à garagem, atrás do jardim de onde colheram as rosas perfumadas que me lembraram, durante meus 5 dias ali, que eu estava na minha casa da Nova Zelândia.
Eu tinha uma linda vista, o que significa que esse meu recanto de paz era separado da cidade por um morro considerável... e, eu, novamente sem carro...
Logo depois que me instalei, Gary me disse que iria a pé até a cidade e me convidou para descer o morro com ele, para aprender o atalho. Durante a caminhada, fui aprendendo sobre a cultura, forma de vida e hábitos dos kiwis e soube que um de seus filhos namora uma brasileira. À noite, ganhei uma sidra local; e são esses detalhes de carinho que voltam tantas e tantas vezes à minha memória.
Pelos dias seguintes, aquela uma hora de caminhada, sozinha em silêncio, era prazer em estado puro, período em que eu sorvia lentamente a sensação de estar lá, como se precisasse me beliscar para acreditar. Aos poucos, fui me tornando íntima das plantas, das garagens com seus trailers, da sinalização das pequenas pontes, da vista do mar da Tasmânia no horizonte e das folhas do caminho.
Nelson dista uma hora do Abel Tasman National Park, do qual eu nunca tinha ouvido falar. Mas eu estava sem carro e não quis me arriscar às restrições de uma excursão. Definitivamente, o carro me fez muita falta, mas contar só com minhas pernas e generosas caronas do Gary me deram oportunidades incríveis de descobrir o corriqueiro daquele lugar.
Não conheci o parque, o qual se tornou alvo para outra viagem física ao país onde vive meu coração. Mas fui de carona a uma praia distante, no caminho para lá. Encontrei, no estacionamento público da praia, um banheiro impecável, uma biblioteca e um mapa com indicação dos setores para cães: onde podem correr à vontade, onde podem andar em coleira e onde deixam o trecho só para humanos.
Mas foi a volta da praia, a pé, que me trouxe o melhor material de reflexão sobre os dias nublados.
Peguei a calçada de volta à cidade ao fim da tarde. O céu começou a se preparar para o crepúsculo. O sol alto no céu, dançava por entre as nuvens, criando nuances de luz branca que me encantavam. Fotografei, imaginando que seria o início de uma sequência de cores. Ops! O show de cores que não presenciei em Piha, parecia que estaria ali.
No meio do caminho, encontrei um restaurante com a exata localização que precisava; todo voltado para o mar, com o pôr do sol bem ao centro da paisagem. Pedi algo para comer e, ansiosa, percebi que a discreta mudança de cor estava acontecendo era nas nuvens. Caramba! Talvez fosse chuva... e eu estava longe e sem transporte. Decidi voltar a caminhar.
Esse foi um dos momentos mais emblemáticos da minha viagem toda. Eu queria muito, muito mesmo, assistir a uma crepúsculo lindo. Mas, por outro lado, se chovesse eu teria oportunidade de testar minhas habilidades emocionais, porque estava determinada a não deixar nada me impedir de continuar amando aquele passeio. Enquanto o céu não se definia - e senti que nisso ele levou um tempo enorme - eu tentava descobri para o que torcer.
Maravilhosamente, para minha total surpresa, eu que detesto a sensação de água fria, ainda mais se for de chuva, torci para chover. Torci para não ter o que queria. E, então, a natureza foi generosa. As nuvens fecharam o céu e aquele incômodo todo molhou meu cabelo e roupas, longe de qualquer abrigo.
Molhada "como um pinto", voltei a caminhar num misto de "ainda não acredito que estou aqui" com "não acredito que essa, que não está reclamando, sou eu mesma".
Alternando esses pensamentos, só existia uma conclusão possível: não queria desperdiçar nem um segundo da viagem, perdendo energia com o que estava fora de meu controle. Ao contrário, meu gasto de energia teria de servir para mudar algo em mim; tinha que mudar para aquilo que estava experimentando naquele momento: aceitar com serenidade o imprevisto indesejável.
Uau! Uau! "Vou gostar mais dessa Tania se ela aprender e incorporar isso".
E eu ainda tinha mais de 80 dias para continuar não vendo o crepúsculo com que tanto sonhei. Que continuem vindo nuvens!
Autor do artigo
Tania Paris