meu Natal em Hokitika
Hokitika é a região onde se garimpa o jade, e nele os artesãos locais esculpem sobretudo pingentes com símbolos māori.
Era antevéspera de Natal quando lá cheguei. Não sei bem porque, mas eu estava um pouco sem jeito. Eu havia alugado um quarto numa casa que ficava numa rua comum da cidade. Era uma casa como todas as outras. Estacionei meu carro na rua e tive a impressão de estar invadindo a intimidade do casal. Sonia havia sido simpática e contida. Me apresentou o aposento, como todos os anfitriões me disse que era só chamar se eu precisasse de algo, e estrategicamente desapareceu, deixando-me bem com minha privacidade.
O espaço era relativamente pequeno, mas tinha um cantinho para eu escrever com conforto. E o que mais eu poderia precisar ali?
Após me acomodar, decidi ir ao supermercado. Era provável que tudo fechasse no dia seguinte e eu precisava garantir ter o que comer. Minha habitação tinha apenas um microondas e utensílios necessários para preparar café; mas não encontrei nada pronto para comprar. Honrosa exceção à sopa de tomate em pó, de que gosto muito e não encontro para comprar no Brasil. Que bom ter achado a sopa, mas ela não deveria ser suficiente e eu ainda me sentia um tanto quanto desamparada, na certa porque fora impedida, por essas questões alimentares, de ignorar que era Natal. Por heranças desagradáveis da infância, não gosto de Natal, mas esse seria o primeiro em que eu estaria fisicamente sozinha. Difícil explicar para mim mesma o que eu sentia. Não era solidão de forma alguma; era mesmo desamparo - estranho... Não sei se eu tivesse encontrado uma salada ou algo a esquentar no microondas se essa sensação teria passado.
Passeei pela cidade, visitando os estúdios de escultura e não me identifiquei com nada. Pela primeira vez naquela viagem, senti falta do encantamento com que eu estava conhecendo o que aparecesse pela frente.
Resolvi ir à praia, sem muitas expectativas. Afinal, eu já estava há um mês inteiro sem os crepúsculos que fui buscar, adaptada e grata pelo aprendizado que isso me trouxe, mas ir à praia no fim de dia era pedir para ter esperanças e eu temia aumentar o tal do desamparo.
Havia um caminho bem dentro da cidade que levava ao mar. Assim que lá adentrei, tive a visão da árvore de que me falou um dos homens maravilhosos que conheci na Nova Zelândia (lamento imensamente não me lembrar qual deles foi). Essa árvore floresce em vermelho, enfeitando-se de "bolas", uma vez ao ano, bem próximo ao Natal. E perde seus enfeites logo depois. Ali, na entrada do caminho, foi bom tê-la visto, mas não me trouxe muito mais do que matar a curiosidade.
Enquanto eu caminhava sobre a areia, o céu começou a mudar de cor.
Me aninhei dentro de um navio encalhado e fiquei a observar pescadores e namorados. Ali estava, diante de meus olhos, o presente que não ousei desejar.
A volta para meu quarto foi diferente. Afinal, quem precisa de mais do que uma sopinha de tomate para se alimentar?
Dormi até tarde, escrevi um pouco, passeei tranquila e lentamente pela região, não encontrei um pingente de jade pelo qual me interessasse, e me senti perfeitamente em paz. Voltei para o caminho que leva à praia e notei ali um bar, aberto às 17h. Oras, ora, quem precisa levar alimento para casa?
ceia de Natal
com a visão do mar ao fundo, cercada por plantas, num banco rústico e limpinho, consumi minha ceia de Natal à luz do dia.
O encantamento de que sentia falta voltou com toda a intensidade. Estar ali, fora de paradigmas, era mágico. Percebi que não mais queria ir à praia. As cores da véspera estavam tão nítidas em minha memória que eu não precisava nem queria mais nada.
Voltei para casa e avistei Sonia pela janela da cozinha. Ela fez sinal para que eu entrasse e conversamos um bom tempo enquanto ela cozinhava. Em dado momento ela disse "Não sei se você gosta, mas estou preparando fígado para o jantar. Quer comer conosco?". Juro que comer com eles teria sido o fim perfeito para aquele dia; mas fígado? Não consegui encarar e fui obrigada a declinar. Agradeci e voltei para meu quarto. Mais tarde aqueci a sopinha de tomate da qual ainda posso sentir o sabor - aconchego que só estava esperando eu ir buscar, orgulho de saber me fazer companhia, carinho por aquela aventura.
Autor do artigo
Tania Paris