mais surpresas em fim de trilhas

17/07/2020

Eu já havia aprendido que poderia esperar belas surpresas ao final de cada trilha. Confesso que eram elas que me motivavam a andar.

Sou muito sedentária e não costumo me animar com passeios que consumam muita energia física. Mas as primeiras incursões em trilhas resultaram em mais curiosidade e, um pouco depois, eu já estava me sentindo orgulhosa de mim mesma, por conseguir sozinha, sem que houvesse alguém manifestando fé em mim. Era só eu dando conta a mim. "Boa, Tania!" 

A que mais me encheu os olhos com beleza foi a "Blue pools". O caminho era bonito, fácil, agradável, não longo demais e ao aproximar-me do final já comecei a ver um rio de degelo, azul como só esses rios de degelo sabem ser. 

Mas o final dela foi extasiante. A limpidez e a cor da água prendiam os olhos, enfeitiçavam. E isso em um dos meus já conhecidos dias nublados. Sequer imagino como seriam em dias de sol.  

À saída, de volta ao carro, encontrei uma placa interessantíssima. Ela aconselhava a usar repelente. Foi nesse momento que me dei conta de que eu, alérgica a picadas de inseto, daquelas que atraem todos os pernilongos de qualquer lugar, já havia me metido dentro do mato tantas vezes e não fui penalizada com uma única mordidinha. Só poderia ser prêmio pela minha bravura de entrar nas trilhas...rsrs, mas não. 

A Nova Zelândia é uma terra que apareceu, emergindo do mar, há muito menos tempo do que a maioria das outras terras. Então, sua fauna é bem restrita. Lá não existe perigo nas matas - nada de cobras ou animais selvagens; só muitos pássaros, porque eles chegaram às ilhas voando. E insetos, lá também tem muito poucos.

Mas aprendi que eu estava entrando na terra do "vampiro da costa oeste". Fiquei sabendo que quando um pernilongo nos pica, ele suga um pouco de sangue mas, logo depois, naquele buraquinho de entrada o sangue coagula e ele não consegue continuar chupando. Talvez seja por isso que eles picam muitas vezes. Mas o inseto apelidado de vampiro tem uma saliva anti coagulante que ele injeta na picada e permite-lhe fartar-se abundantemente. Só o conheci pela foto no cartaz, mas comprei e usei repelente enquanto estive na costa oeste da ilha sul.

anotando a kilometragem

Aliás, nesse ponto eu já havia dado adeus à minha querida van. Precisei mudar de meio de transporte, com muito pesar, por conta das férias coletivas da locadora. Não seria possível devolver a van durante as mesmas e eu voltaria para Auckland na passagem de ano. Em outra empresa eu aluguei um carro regular, que me atendeu super bem com seu GPS a bordo, o que era um luxo.

Até aquele ponto, a bordo da minha sleeper van, percorri exatos 1.923,8 km, bem rodados e felizes. 

A próxima trilha foi a que me trouxe a sensação de beleza interna, de leveza, de conquista, de contato estreito comigo: Fox Glacier.

Na costa oeste há dois glaciares, com neve eterna. Eu me aventurava sempre pelos locais menos badalados e então escolhi esse, ao invés de Franz Josef, que é ponto turístico.

Li que a trilha era de dificuldade média e longa. Não me lembro bem, mas acho que tinha uns 6 km, o que para mim é bem longa, porque temos que encarar a volta. Enquanto ladeava um riozinho azul, só sentia falta de verde, naquele terreno pedregoso. Mas, à medida que comecei a subir o morro, a dificuldade aumentou muito, o terreno era acidentado e, excetuando-se a cor cheia de matizes de pedras grandes nas laterais, não havia muito o que ver. Às vezes surgia uma ponte, para ajudar a vencer as pedras, mas tudo era muito árido.

Depois de uns 3 km comecei a pensar que tinha fôlego talvez para chegar até o fim, mas e depois? Seria novamente aquela caminhada extenuante... Eu cruzava com pessoas voltando e uma delas comentou que a volta era tão ruim quanto a ida. Um casal de senhores aparentando terem um pouco mais da minha idade, me ultrapassou com a desenvoltura dos que fazem trekking (depois aprendi que aquele tipo de caminhada que eu estava fazendo já entrava na categoria de tramper). Então, ao passar por mim a senhora comentou que lamentava não ter levado seus bastões de caminhada e me explicou como usava os seus, tanto na subida, como na descida, como também no plano. Invejei muito mais do que a posse de tão maravilhosos acessórios. Invejei andarem juntos e manterem-se em boa forma. E, com esses e outros pensamentos, fui mantendo a vontade de chegar até o fim. Como eu iria voltar passou a ser um outro problema.  

A cada pensamento como esses eu renovava minha vontade e me impunha a continuar caminhando. Foi muito, muito difícil para mim, mas eu estava determinada a provar a mim a mesma que eu chegaria até o final.

A recompensa que me aguardava no final não entusiasmava mesmo. Aquela não era uma trilha para subir no gelo; era só para olhá-lo e, no verão, nem bonito era aquele lugar.

Mas o casal estava voltando. O senhor abriu um sorriso grande e os braços e disse "ah! como estou orgulhoso de você!". Foi tão surpreendente a reação dele que tive dificuldade em saber se realmente estava entendendo o que ele dizia. Mas ele explicou-me que logo que passaram por mim, os dois haviam comentado que tinham certeza de que eu não conseguiria chegar até o fim. E, então, estavam orgulhosos do meu esforço. Me deram parabéns e me deixaram completamente boba ali, a 6km do estacionamento. Exausta e longe, mas nesse estado de espírito, nem tanto... 

  

Autor do artigo
Tania Paris