Kaikōura e uma feliz descoberta 

07/06/2020

Eu estava imensamente animada quando peguei a estrada em direção a Kaikōura. Queria aproveitar cada instante e cada coisa que encontrasse pelo caminho.

Dirigir na mão inglesa de direção não é difícil, mas requer muita atenção para não entrar em piloto automático e ir para a direita. Então, comecei a conduzir minha van bem devagar.

Quase todas as estradas da Nova Zelândia são de duas mãos com apenas duas pistas; e a que peguei era bem sinuosa, com o mar à esquerda a partir de Blenheim. De quando em quando a cena se repetia: eu via um carro pelo meu retrovisor e me sentia envergonhada por estar atrapalhando, mentalizava "left, left, left", reduzia ainda mais a velocidade, encostava o mais possível à esquerda e dava sinal para que me ultrapassasse. Em seguida, lembrava que estava numa estrada e acelerava para incríveis 60km/h até que um novo carro atrás de mim me levava a perceber que rapidamente eu voltava para os 40km/h ou menos.

Lembrava-me de Milan Kundera e sua obra "A lentidão":

"A velocidade é a forma de êxtase que a revolução técnica deu de presente ao homem. Ao contrário do motociclista, quem corre a pé está sempre presente em seu corpo, forçado a pensar em suas bolhas, em seu fôlego; quando corre, sente seu peso, sua idade, consciente mais do que nunca de si mesmo e do tempo de sua vida." 

Não demorou muito para que eu descobrisse que parte significativa do prazer que estava sentindo vinha do fato de eu estar em lentidão. Como posso ter demorado tanto para descobrir o quanto se pode extrair da lentidão? E veio o ciclo virtuoso: quanto mais eu pensava nisso, mais lentamente eu dirigia e quanto mais lentamente eu dirigia, mais me aprofundava nessa ideia. Em lentidão é possível apreciar o mundo externo e o interno. E eu, que estava admirando cada paisagem, fui me abrindo para apreciar, com o mesmo prazer, meu universo interior, imperfeito, reduzindo velocidade e buscando transformação.  

Educação para o Respeito

Kaikōura havia sido o epicentro de um terremoto de 7,8 graus na escala Richter, em 2016. Apesar de investimentos altíssimos na reconstrução da área, dois anos depois a estrada ainda apresentava trechos duramente danificados. 

Nem me lembro como, mas foi lá que li pela primeira vez um comunicado da primeira ministra, de quem me tornei fã. 

Era dirigido aos que viajavam por aquele estrada. Ela pedia desculpas pelas obras ainda causarem contratempos aos motoristas e explicava que, em diversos trechos, era necessário parar uma das pistas para que os veículos da outra os atravessassem. Falava sobre a disposição e comprometimento dos trabalhadores que executavam essa enorme e cansativa reconstrução e, ao final, pedia que manifestássemos nosso reconhecimento, acenando quando passássemos por eles.

Aquele comunicado colocava as pessoas acima de todo o restante. Ela demonstrava cuidado conosco e com as equipes das estradas e delicadamente, com uma sugestão singela, nos levava a demonstrar também cuidado para com eles.

Que bom que li isso logo no início da minha viagem! 

Durante os próximos 3 meses, tive inúmeras oportunidades de acenar para os trabalhadores e de receber de volta o aceno dos representantes dos grupos - aqueles que controlavam o fluxo e que olhavam diretamente para nós. Aprendi a olhar para eles com carinho, com o mesmo deslumbramento com que olhava a paisagem. Céu, mar e pessoas...

Enquanto aguardava o sorriso do trabalhador e em todas as vezes em que me lembro disso, analiso o que vivi e continuo elaborando a resposta que fui buscar na Nova Zelândia. Como é que se constrói uma cultura de Respeito*? Constrói-se diariamente, em todas as ações - vive-se.

* quando se trata de neozelandeses, só consigo escrever respeito com letra maiúscula.    

Autor do artigo
Tania Paris