Flores, para aguçar o olhar

25/10/2020

Em meio à imensidão de belezas naturais, meus olhos estavam se acostumando a olhar para o grande - grandes lagos, altos picos nevados, horizonte colorido em paisagens sem fim.

Minha filha gosta de amarelo e, por isso, logo no início da viagem, enviei-lhe uma foto de uma paisagem com flores amarelas - e a reação dela foi mas efusiva do que eu esperava. Então comecei a fotografar flores amarelas para enviar-lhe.

Num determinado ponto depois de muitas, ponderamos se na Nova Zelândia haviam mais flores do que no Brasil; e chegamos à inevitável conclusão que, no dia a dia, nossos olhos olham mas não vêem. Em princípio, a conclusão é mais do que óbvia; mas é diferente saber porque se pensou a respeito ou ficar sabendo porque se experienciou. E, então, continuei procurando pontos amarelos em meio a paisagens imensas e, claro, os encontrei em praticamente todas elas.  

E foi por conta dessa mais que agradável tarefa diária que me senti atraída por um jardim de uma casa próxima a uma entre tantas praias pelas quais passei em trânsito para algum lugar. Dito isso, está explícito que não me lembro onde foi, mas gostaria muito de ter anotado, para poder voltar.

Uma flor amarela me pareceu estranha e eu estava me embrenhando na parte do jardim que ficava fora da casa para fotografá-la, quando uma senhora assustada apareceu. "Puxa, me desculpe eu ir entrando assim sem pedir..." e contei-lhe minha história de fotógrafa amadora que colhia imagens para ter motivo para contatar a  filha frequentemente, enquanto usava a tarefa para refletir sobre a vida.

Ela então me convidou para conhecer a parte de dentro do jardim.  

Ela foi me mostrando cada uma das plantas, discorrendo sobre elas minuciosamente - como se planta, os cuidados necessários, porque ela posicionou naquele lugar, etc.. Haviam pés de lugumes e verduras, e ela os tratava como iguais. Fotografei o de tomate - não é que ele dá flores amarelas?

Próximo ao tomateiro ela chamou minha atenção para uma grande caixa d'água ao fundo do jardim e me explicou que não seria correto gastar água regando todas aquelas plantas. Por isso, ela tinha um sistema de coleta de águas pluviais para dar conta especificamente do jardim. E à medida em que eu me encantava com as flores, explicações e cuidado ecológico, ela foi se empolgando e abastecemos uma a outra.

Convidou-me para entrar. A casa era um sobrado e ela já tinha uma certa idade. Disse que não gostava de escada e, orgulhosamente, me apresentou um elevador aberto que dava acesso aos dois andares mais a garagem embaixo. Mas imediatamente começou a me explicar que ele consumia energia elétrica - não era muito, mas havia consumo. E para que isso não fosse um impacto ambiental, ela instalou um sem número de dispositivos para poupar energia e só usava água quente aquecida por placas solares. Confesso que na hora tudo foi fazendo muito sentido, mas esqueci da maioria de suas engenhocas, cada uma para fornecer energia a uma parte da casa. Meu foco era outro. Seu entusiasmo em poupar recursos era contagiante. Ela não poupava para reduzir seus gastos; ela poupava para assegurar-se de que sua vida não danificava a natureza.

Ela me contou que ela e seu marido têm mais duas outras casa e que haviam instalado toda aquela parafernália nas outras também. 

Quando lhe disse que precisava ir embora, ela continuou falando muito e pedindo para eu ficar mais um pouco. Concordei em descer até a garagem, onde conheci dois carrinhos elétricos que o casal usa para fazer compras no supermercado. Imagine se é necessário gastar gasolina só porque as compras são pesadas... Claro que houve novas explicações para as escolhas sobre a fonte de energia. 


Autor do artigo

Tania Paris

Esperança

Ao me despedir, pedi-lhe para posar para um foto. Ela sentiu-se inibida, mas acabou concordando. Eu realmente precisava poder revê-la.

Então, me desculpei e disse-lhe que havia esquecido de perguntar seu nome. "Hope", ela disse. "Hope é seu nome, mesmo?"; e ela assentiu com um sorriso enorme. "Porque é tão apropriado!"; e então ela sorriu discretamente.

Convidou-me insistindo para que eu voltasse. Quero voltar, se conseguir achar o lugarejo. Mas não me fui - sua consciência deixou uma pegada indelével em mim. Passou a ser impossível me omitir a cuidar.

Olhar mais aguçado, "Esperança" no coração, mudança de atitude frente à natureza que não me pertence. Que tarde!