despedida... até uma outra vez...
Meu tão sonhado período de 90 dias na Nova Zelândia estava se acabando e eu precisava me preparar para dizer "kia ora" (pronuncia-se "quióra"). Kia ora é uma expressão māori que pode ser traduzida por "olá" e é utilizada em praticamente todas as ocasiões. "Ora" significa vida e "kia" transforma "ora" em verbo. Quando se diz "kia ora" a alguém, deseja-se a essência da vida e indica consideração não só pela pessoa, mas por tudo que a envolve, inclusive por sua origem.
A caminho de Auckland, fui parando em todos os lugares onde dava para parar. Eu queria retardar minha partida, eu queria encher ainda mais minha memória com doces lembranças, eu queria mais... eu não queria chegar ao aeroporto...
Entrei numa outra reserva de kauris. Encantei-me novamente com a estação de desinfecção dos calçados e eduquei-me com cada um dos cartazes que contam a história dessas árvores milenares. Rendi homenagens aos que projetam esses parques, nos impedindo de tocar raízes e pedi que me fotografassem ao pé daquela árvore que já existia quando Jesus nasceu.
Parei nos Kai Iwi lakes e não me cansei de ficar admirada com a existência de banheiros limpíssimos no meio do nada.
Parei em Orewa, vilarejo cortado pela rodovia, para fotografar outros banheiros públicos. Me encanta o fato de que são projetados como uma obra, não como um lugar de segundo nível. E isso se torna possível porque são respeitados como um equipamento público à disposição para o conforto de todos.
E, para finalizar, peguei um caminho que dava numa praia, reproduzindo o movimento que Beto e eu fizemos naquela vez em que primeiro pisamos nesse solo abençoado. E, como naquela ocasião, estar na praia sabendo que estava de partida me aguçou o olhar para um conjunto de pequenas coisas e gestos que me faziam gritar "quero voltar, preciso voltar!"
A faixa de areia ficava abaixo do gramado. Era só um pequeno declive, mas - puxa vida! - tinha rampa e corrimões para acesso. Aqueles bancos aos quais eu denominava "com tempo olhar" acolhiam casais de todas as idades para se entregarem ao prazer da contemplação.
Uma família brincava à beira mar. A mãe carregava o bebê e lançava bolinhas de sabão no ar. A criança acompanhava o movimento das bolhas, que brilhavam ao sol.
Fiquei olhando por longo tempo. E esse foi o tempo em que o coração mais se apertou numa imensa vontade de chorar. Como estava difícil ir embora!
Devolvi o carro alugado, mas, antes, fotografei o odômetro que havia sido zerado na retirada. Somei esse valor ao dos três outros que aluguei. Apurei o total - foram 7.986,1 km pelas estradas da Nova Zelândia.
Não calculei meu tempo de estrada. Estive num ritmo muito lento e devo ter gasto no mínimo o dobro do que outros gastariam. Entretanto, o impacto dessa viagem na minha vida foi consequência direta dessa lentidão e, quando depender só de mim, não farei diferente. Não havia destino certo e, por isso, não havia hora para chegar. Me dei ao luxo de parar em cada lugar que me atraiu, seja por conta da beleza, da curiosidade, da fome, da necessidade de banheiro ou para puxar conversa com algum kiwi. E, foi assim, sem pressa, dentro do carro, que o melhor aconteceu. Dirigir sem stress criou centenas de horas para conversar comigo mesma - e fomos muito sérias em aproveitá-las.
A Tania que estava em reflexão até o último minuto antes de voltar para o Brasil, não era a mesma que ali chegou. E eu sabia que aquela transformação seria perene.
Apesar de antever a alegria de reencontrar minha família e amigos, e de voltar ao convívio diário com meu companheiro, apoiador e cúmplice dessa viagem, um nó na minha garganta se instalou e me lembrava o quanto estava difícil retornar.
Sonhei, por 19 anos, viver 90 dias na Nova Zelândia, com dois objetivos, e recebi em abundância, muito, muito mais do que desejei.
Fui buscar crepúsculos deslumbrantes. Além deles e das auroras, encontrei também dias nublados, que foram meus mestres para aceitar contratempos, transformando dissabores em oportunidades de ver o que não estava evidente e, aos poucos, aprendi a rir do que acontecia fora das minhas expectativas.
Fui para mergulhar numa cultura de respeito. E não se faz isso impunemente. Meus olhos, ouvidos e coração estavam preparados para serem permeáveis, e, então, a atitude de respeito de cada kiwi, por tudo e por todos, pela natureza e pelos bens coletivos, consistente em cada ato, foi me penetrando até o meu âmago. Resultou que me apossei dessa cultura e a incorporei como minha, por direito e não por lei.
Na área de chegada de voos internacionais no aeroporto de Auckland há um imenso mural na frente da escala rolante que dá acesso à imigração. Antes de chegar à base, dá tempo de ler, pensar e aceitar o convite.
Faça uma promessa de proteger e preservar a Nova Zelândia:
Proteger a natureza
Manter a NZ limpa
Dirigir cuidadosamente
Estar preparado (refere-se defender-se das catástrofes naturais)
MOSTRAR respeito (as maiúsculas são por minha conta)
Pensei, mais uma vez, depois de
tantas nesse tempo tão intenso, sobre a diferença fundamental entre "respeitar" (= o que
eu posso achar que faço) e "mostrar respeito" (= levar o outro a se sentir
respeitado). Pensei "com força", porque queria imprimir essa ideia
dentro de mim, porque não quero me esquecer disso jamais.
Aproximando-se a hora do adeus, em lágrimas que haviam sido represadas por vários dias, refiz a promessa, e a refaço com frequência, e refaço, e refaço... e sei que vale para onde eu estiver e... para sempre.
Aotearoa, aroha ahau ki a koe.
Autor do artigo
Tania Paris