Demonstrando afeto
Claude Steiner nos ensina que recebemos, desde a infância, injunções na troca de carinhos. Seja por termos sido formalmente orientados, seja por inconscientemente copiar o comportamento das pessoas que nos cercam, ou seja ainda por receio de sermos mal interpretados, a questão é que a maioria de nós aprendeu a ser econômico nas demonstrações de afeto.
Muitas vezes o apreço que nos é destinado chega de maneira sublinear, por meio de gentilezas ou meias palavras, da mesma forma que fazemos ações e gestos acreditando que pessoas queridas os receberão como sendo afeto. Dessa forma, o carinho que temos uns pelos outros pode estar sendo percebido e/ou saboreado muito menos do que merecemos.
Acredito que se contemplarmos a morte iremos nos despir desses pudores e sentiremos vontade de explicitar o que sentimos pelas pessoas que nos são importantes; como também acredito que teríamos vontade de correr ao leito de morte de uma pessoa amada para dizer-lhe de uma só vez o que tivemos uma vida inteira para expressar.
Sempre me chamou a atenção as palavras de obituários, me levando a indagar se aquilo que é escrito foi, algum dia, dito ao morto, e imagino o quanto ele gostaria de poder ler o que postumamente é publicado. No filme "A culpa é das estrelas", o casal de protagonistas diz que gostaria de ouvir a fala do outro em seu funeral. Me tocou profundamente a cena em que a garota prepara seu discurso e o lê para o namorado. Não é uma antecipação de morte - é uma ode à vida.
Quando Fernando Henrique Cardoso completou 80 anos, recebeu uma boa quantidade de homenagens e, desajeitadamente, disse que ainda não havia morrido. Por certo ele teve dificuldade em se apropriar dos elogios que lhe pertenciam. Tive pena. Quantos teriam aproveitado melhor...
Em "Invasões bárbaras" um filho envia uma mensagem aos amigos do pai moribundo, convidando-os a visitá-lo: "se quiser se despedir, a hora é agora". Sim, a hora é agora, enquanto se está vivo. A hora era aquela, por ser a última hora. Mas para cada um de nós a hora não deveria ser antes? A hora não deveria ser imediatamente após detectar que existe algo bom e relevante a ser dito?
É sobre essas reflexões que se assenta minha fase atual do projeto de me preparar para morrer. Quero dizer, da forma mais despudorada possível, a cada pessoa que exerceu alguma influência positiva em minha vida, ou que deixou boas lembranças a aquecer meu coração, o que ela representa para mim, me faz lembrar ou que admiro - e expressar carinho. Quero esvaziar meu leito de morte...rsrs - será? Não. Quero deixar de perder tempo. Quero acrescentar um momento doce na vida das pessoas, enquanto ilumino a minha por fazê-lo.
Eu já havia experimentado o sabor dessa fase quando decidi ser mais explícita nos meus atos de carinho e me deliciei com a reação das pessoas. Como de costume, tateei o terreno meio que brincando, meio que muito séria. Alguém me perguntou "mas isso não vai lhe dar muito trabalho?" e eu respondi que sim. "Sim, vai dar muito trabalho". Poupei-lhe a dúvida do nível de meu esforço para fazer aquilo por ela, enquanto que lhe dava a oportunidade de perceber a intencionalidade e a intensidade de meu movimento em sua direção.
Aquela pergunta e muitas outras semelhantes que se sucederam, feitas por outras pessoas, sugeriam que o que eu me propunha a fazer seria rejeitado se eu dissesse sim. Mas minha resposta escancarada talvez leve as pessoas a questionar se realmente devem rejeitar carinho. Às vezes eu precisei acrescentar "se eu não estivesse realmente disposta a fazer, eu não teria oferecido". De uma forma ou de outra, sempre fico sorrindo por dentro enquanto observo, em algumas pessoas, a dúvida entre continuarem serem cuidadosas comigo e o prazer em aceitar - essas me inspiram a ser mais explícita ainda.
Tem sido encantador o movimento de pensar profundamente nas pessoas, uma a uma, trazer à tona recordações de nosso relacionamento, pinçar as características que mais me tocam e escrever uma mensagem singela, mas absolutamente pessoal, sincera e que me é significativa. Na maioria das vezes, tive indicação de que foi lida da mesma forma com que foi emitida.
Me abasteço com as respostas que recebo e procuro não me deixar abater ao questionar sobre o porquê de não ter feito aquilo antes. Não procuro as explicações inúteis, posto que não se recupera o passado. Mantenho-me em questionamento para aprender com essa que está sendo, de longe, a mais gratificante fase de meu projeto. Se não havia feito até agora, que se torne urgente - e já - para que meu hoje seja inspirador de um amanhã de ainda mais viver.
Autor do artigo
Tania Paris