Cape Reinga, para onde vão os espíritos
Te Rerenga Wairua é o nome māori para o ponto mais ao norte da ilha norte da Nova Zelândia. Significa "o local de onde saltam de espíritos". Um ancestral ensinou a seu povo que Cape Reinga é o local para onde os espíritos vão logo após a morte, para serenarem e dali empreenderem sua última viagem. Essa região incrível é considerada por eles como a mais sagrada.
Cheguei na véspera a um pequeno vilarejo que deve ser lindo. A tarde estava nublada e o céu assim permaneceu durante os dois próximos dias.
Mangonui se localiza exatamente antes da ponta longa e estreita que se vê no mapa, que é um "nada" até o cabo. Dista 125 km do local onde eu queria chegar - lá onde fica a árvore na qual os espíritos descansam antes de partir.
O chalé que eu havia reservado foi uma surpresa.
Encravado em meio à vegetação da parte baixa de um morro que se ergue para dar vista à praia, o pequeno hotel é composto de meia dúzia de chalés e é gerenciado por duas moças muito acolhedoras. Uma delas me disse que eu poderia estacionar o carro em frente ao portão da garagem que ficava logo acima, porque ninguém a usava. Também me ajudou com informações e a aquisição de um passeio para a manhã seguinte.
É possível chegar até a pontinha do cabo por meio de uma rodovia ou pela praia num veículo 4 x 4. Creio que não preciso explicitar qual escolhi.
Usei o restante da tarde para vagar pelo vilarejo e lá pelas tantas fui abordada por um gentil senhor que perguntou se eu estava hospedada naquele hotel. Ele então perguntou, tomando um cuidado extremo como se fosse me ofender, se o carro que estava em frente à garagem era meu.
Era o dono do hotel que havia chegado de surpresa, com amigos e um monte de equipamentos que precisava descarregar. Mesmo não me sentindo culpada, fiquei com uma vergonha imensa, agravada pelo fato de que ele não estava bravo, apesar de ter rodado a vila toda me procurando. Posso recordar a sensação de "ai, meu deus, deixa eu aprender a ser tranquila assim!". Vive-se melhor, claro, mas também se cativa uma visitante que acrescentou esse momento ao sabor de ter encontrado uma casa, de querer ficar, de querer voltar.
Na manhã seguinte, cedinho, posicionei-me na esquina onde seria a parada do ônibus. Pontualmente ele parou e me deu entrada, com uma saudação do motorista ao microfone para que todos soubessem meu nome e me dessem boas-vindas. Passaríamos o dia todo juntos.
Fizemos uma parada estratégica numa loja que vendia produtos feitos de kauri, madeira da melhor qualidade mas que só é extraída de árvores encontradas enterradas após morrerem naturalmente, o que a torna mais valiosa.
À saída da loja, a surpresa: baldeação para o ônibus 4 x 4.
Era um veículo truculento, confortável por dentro. Foi ele que passou em alta velocidade pela costa, sobre a areia daquela que é conhecida como "90 mile road", atravessando riachos, espalhando água salgada, vencendo dunas... nos divertindo.
E por falar em dunas, houve pausa para o sky bunda.
Houve pausa para apreciar o mar dos dois lados da estrada. Houve lentidão compatível com a preparação para a chegada ao local sagrado.
O tempo estava chuvoso, mas todos tínhamos a expectativa de que isso não nos atrapalhasse. Eu havia levado minha jaqueta impermeável, disposta a enfrentar o que quer que viesse.
No estacionamento, recebemos a doutrinação sobre o lugar. Os veículos param a 800m de distância do farol, que é bem o local onde se pode assistir de perto ao choque entre os dois mares: o Oceâno Pacífico e o Mar da Tasmânia. Nos informaram que devido ao mau tempo, as ondas estavam crespas e, por isso, o encontro das águas não alcançaria a altura habitual. Dali deveríamos seguir a pé, pelo território sagrado.
Nem bem nos liberaram e a chuva começou a cair. Eu que detesto água fria, decidi ignorá-la e empreendi a caminhada. Sentia-me estranhamente valente e poderosa por conseguir. Fui lendo as placas explicativas e aprendendo a cultura e lendas māori enquanto descia o morro e a chuva se intensificava.
Começou a ventar e a chuva se assemelhou a um chicote, castigando o corpo todo. Ela me venceu quando um rio gelado começou a correr entre meus seios.
Dei meia volta e corri para o abrigo do ônibus. Ele estava a meia carga, o que significa que existiam pessoas mais corajosas do que eu. Conversei um pouco com o grupo e fui gradativamente percebendo que não era ali que eu queria estar; que eu poderia fazer melhor do que desistir. Eu queria muito sentir as energias do ponto onde os espíritos descansam. Assegurei-me de que daria tempo para ir e voltar e, bravamente... andei ainda menos do que na primeira vez. O uivo dos ventos era digno de um filme e a temperatura da água me fazia delirar por um banho quentinho.
Contra todos os meus melhores pensamentos e ardente disposição, vi-me obrigada a voltar novamente.
Nesse momento, ficou ainda mais claro o quanto aprendi com tantos dias nublados. Sinceramente, não me senti triste nem frustrada. Percebi-me na atitude de gratidão por não ter conseguido, porque isso me coloca no meu lugar insignificante frente à magestade da natureza; e porque me dá mais um excelente motivo para planejar uma viagem de volta à Nova Zelândia.
Autor do artigo
Tania Paris