Uma forma de falar quase brincando que deu origem a algo muito sério
Por 19 anos eu sonhei com uma viagem à Nova Zelândia. Relatei como esse sonho começou num texto: https://www.taniaparis.com.br/como-tudo-comecou/.
Desde o início, estabeleci que queria uma viagem de 90 dias. Precisava de tempo suficiente para mergulhar na cultura com a qual tinha tido contato por um único dia, mas que havia me impressionado tanto.
No início, eu tinha a impressão de que em 3 ou 4 anos eu conseguiria me organizar para ausentar-me da vida cotidiana. Mas o trabalho à testa de uma organização não governamental se mostrava tão gratificante que, gradativamente, fui empregando nele mais tempo do que desejava, ou poderia. Fiz movimentos para preparar um substituto. Tive contratempos.
Quando eu relatava o sonho dessa viagem para algum amigo, era comum que me perguntasse o porquê eu insistia em 90 dias, duração que era o grande impeditivo. Sim, eu já havia ponderado e descartado muitas vezes a redução que poderia viabilizá-la. Então eu respondia em tom de brincadeira: "Porque 90 dias é como morrer." Para sair de casa por 90 dias eu teria que deixar tudo na condição de ninguém precisar de mim para coisa alguma. E imaginava como deveria ser a sensação de não ter amarras - a sensação que eu teria estando lá, e também na volta, desamarrada.
Aos poucos, a ideia de me preparar para morrer foi tomando forma; primeiro simbólica, depois literalmente.
Foi num fim de ano, quando tive um respeitável problema de saúde, que me questionei se aquilo que eu perseguia era só um sonho ou se eu estava disposta a transformá-lo efetivamente num projeto. Sim, era certo que eu ia morrer. Morreria daquela doença que se instalara, morreria de outra, de acidente, ou de velhice. Nessa ocasião, já haviam se passado 17 anos desde a ideia da viagem e, claro, eu estava 17 anos mais velha, com todas as sequelas de ter vivido mais todo esse período.
Suavemente tomei consciência de minha morte. Deliciosamente, não havia nada anunciado que me forçasse a apressar-me. Mas, melhor ainda, era justamente por isso que eu precisava começar a me apressar.
Entendo que exista uma diferença fundamental entre dizer ou pensar "todo mundo vai morrer" e acreditar de verdade que a gente mesmo vai morrer mesmo.
"Eu vou morrer" não é mórbido, não é brincadeira para manipular ninguém, não é frase que se deva dizer de forma inconsequente, posto que desconsideraria a oportunidade de enriquecer o que resta da própria vida.
"Eu vou morrer" abriu uma janela, depois uma porta e, finalmente, escancarou a casa inteira. Passou a dar novos significados a velhos planos e a jogar por terra outros que perdiam o sentido frente à imensurável descoberta. Descoberta sem aspas; descoberta porque expandiu-se do mero cognitivo para alojar-se na região interna onde fica a fonte da criatividade.
"Eu vou morrer" foi a revelação que faltava para estabelecer uma linha divisória entre uma vida boa e produtiva, e uma vida ótima e inesquecível para mim mesma.
Foi essa consciência, ampliada pelos sentimentos que estavam sendo despertados, que possibilitou que cada momento da viagem, que finalmente consegui empreender, fosse intenso, me ensinasse alguma coisa, me permitisse questionar continuamente sobre que Tania eu queria ser - o que me transformou radical e definitivamente. Não tenho dias, nem horas para desperdiçar. Não preciso nem devo correr, mas devo degustar cada acontecimento corriqueiro como se eu não pudesse mais repeti-lo. E, claro, devo aproveitar cada contato como se fosse o último com aquela pessoa - seja porque vou morrer, seja porque ela também vai morrer.
Meu projeto de preparação para minha morte começou assim...
Vieram outras fases e pretendo escrever sobre elas, para compartilhar, aprender mais um pouco ao revivê-las e refletir para criar outras. Afinal, minha vida já se tornou especial para mim e estou certa de que ainda pode ser melhor.