Piha, onde pensei que fosse
Depois de passar uma única tarde na praia, em 1999, passei a sonhar em viver um longo tempo na Nova Zelândia. Planejei uma viagem de 90 dias que deveria começar exatamente na origem do sonho. Mas onde era? Todas as pesquisas no mapa, puxando a memória, me levaram a Piha. Foi lá, onde pensei que fosse, que a viagem ao interior de mim mesma começou.
Para chegar lá, a verdadeira iniciação
Uma decisão estranha, desconfortável, foi a de não alugar um veículo para minhas duas primeiras semanas. Queria me concentrar em viver, o máximo possível, com foco no lugar em que estivesse, facilitando isso com a dificuldade de locomover-me. Só não tinha analisado que, em sendo a Nova Zelândia um país pouco populoso, a locomoção era fácil só entre cidades relativamente grandes.
Então, chegar a Piha requereu contratar os serviços de uma empresa de vans.
Imaginei estar contratando um transfer. O preço era modesto. Não havia entendido direito porque a viagem demoraria tanto tempo, mas estava eufórica e não perguntei.
Mike me localizou, perdidaça, no ponto de encontro e me conduziu a virar a esquina para, então, ver a van estacionada. Haviam sido uns bons 15 minutos de aflição, olhando para todos os lados buscando por ela, pensando que não fazia sentido estarem atrasados, visto que foram colonizados por ingleses. Não estavam.
O grupo era absolutamente heterogêneo mas, maravilhosamente, tínhamos algo em comum. Era nossa primeira vez nessa terra abençoada.
Mike era tudo: motorista, guia, integrador e, sobretudo, entusiasta. Parou várias vezes no caminho e foi nos introduzindo ao amor e profundo respeito pela natureza que pude observar autêntico no povo neozelandês. Com Mike aprendi como usar a estação que se encontra na entrada das trilhas, para desinfetar meu tênis e não levar contaminação de fora para dentro e vice versa. Foi ele quem me mostrou a primeira silver fern, samambaia prateada na face de baixo das folhas, que brilha sob a luz do luar, usada pelos maoris para não se perderem na mata - um dos símbolos do país, nome de time de rúgbi, base para os logotipos das empresas de transporte. Com Mike aprendi a respeitar cada folha, a não tocar nas plantas; aprendi a observar e contemplar, não usá-las. Saí da trilha numa atitude de admiração e quase submissão à força e esplendor da natureza. Saí da trilha me sentindo parte e não dona. Saí da trilha animada por chegar a Piha, embora lastimando partir.
Entretanto, depois de achar que tinha aprendido o que precisava para iniciar minha grande aventura na terra de meus sonhos, a maior contribuição de Mike para minha iniciação ainda estava por vir.
Início do aprendizado mais importante
A praia de Piha é formada por areias negras vulcânicas que retém uma lâmina de água formando um espelho lindíssimo. É exatamente como me lembrei por 19 anos, depois daquela tarde fatídica que tanto me fascinou. Mas Piha não era a praia onde eu havia assistido ao longo e esplendoroso crepúsculo num dia em que comemorava meu aniversário.
Ao chegar lá, descobri muita coisa! Piha é apenas uma praia; não um vilarejo. Ali não há restaurantes, bares, mercado, nem transporte.
Eu havia reservado um apartamento no alto do morro... e estava sem carro. Precisei pedir ao Mike que me deixasse lá. E lá cheguei, no endereço errado. Sozinha e puxando minha pequena mala, que foi crescendo enquanto eu subia e subia os faltantes 6 km de morro, tomei um demorado banho de chuva fria. Hilária foi a cena de buscar um Uber ou taxi. A boa alma estrangeira que me avistou, exausta e desmanchando sob a chuva, e me deu carona, me explicou que nem adianta tentar. As mais próximas comodidades desse tipo estão em Auckland, a duas horas dali.
Minha habitação era uma graça e nela entendi o significado de "vista maravilhosa" - óbvio, né? É longe do mar. Nesse caso, 12km ladeira acima do mar; eu sem carro, nem Uber, nem taxi.
A pessoa que me recebeu explicou-me como usar fogão e outros equipamentos de cozinha e... logo imaginei o que significava estar sem víveres num local sem restaurantes, cafés e bares. Havia a honrosa exceção ao The Piha Cafe que, além de suprimentos básicos, tinha o primeiro Chai Late que tomei em solo kiwi. Cheguei nele, no segundo dia, pegando carona com a faxineira. No primeiro, ganhei um saco de compras da proprietária do lugar, que não queria que eu passasse fome no dia do meu aniversário.
Eu estava ansiosa pelo pôr do sol, mas a tarde estava nublada. E do meu quarto eu não via nadinha mesmo. Pouco a pouco fui me adaptando. Eu respirava fundo e me sentia nas nuvens, realizando a tão sonhada viagem; e percebia que todos os contratempos eram marginais. Eu não morreria de fome e teria outros 80 e tantos dias para ver o crepúsculo; não tinha que ser no dia marcado. Mas fui a pé a um ponto da estrada que servia como mirante; uma caminhada extenuante que teria me deixado frustrada. Dali se avista o mar, mas não a areia - aquela maravilhosa que espelha as cores do céu. Nem o sol a vista alcança, pois ele desce atrás do morro.
Assim foram meus 3 dias em Piha: repetindo a mim mesma que estava tudo bem, que eu não precisava de nada além do que estava tendo.
Na minha última noite recebi um e-mail do Mike dizendo que estava internado no hospital e que não poderia ir me buscar. Pedia desculpas e solicitava que eu chamasse um taxi, que ele me reembolsaria.
Eu não havia pago para ele pela viagem de volta. Uma corrida de taxi custaria mais do que o dobro do que eu havia lhe pago. Como brasileira, tive uma certa dificuldade para acreditar em seu gesto, mas foi para valer. Voltei para Auckland de carona. Dois meses depois, por acaso, encontrei-o no ponto de saída da van e ele me pediu que lhe informasse o valor, pois queria me pagar.
Na mesma viagem aprendi sobre o Respeito à natureza e o Respeito ao ser humano. Quem precisa de crepúsculo quando pode viver essa experiência?
Autor do artigo
Tania Paris